quinta-feira, 11 de junho de 2009

O que é a vida? O que é a morte? - II



O que é a vida? O que é a morte?

Quando eu e minha irmã Auxiliadora Vieira chegamos ao hospital, Salvador Augusto, o nosso Dozinho, dormia tranquilamente, com alguns fios enfiados no nariz e na boca. Mamãe, trêmula, falou baixinho que o fim estava próximo. Algumas pessoas queridas chegaram. O Senhor Leopoldo, diretor do colégio, trajava óculos escuros, no afã de esconder a emoção; e Dona Ita, aquela senhora praticante da mesma fé, juntou as mãos em oração silenciosa.

Mal chegáramos, seu corpo frágil iniciou respiração diferente. Mamãe levantou-se, acercando-se do leito; papai também. Protetores, sempre. Intervalo ritmado... cada vez mais espaçadamente... uma vez agora... outra... outra... outra... outra... outra... até parar de uma vez... Nesse momento, seus olhos esverdeados abriram-se, num último olhar às duas queridas irmãs. Fixou-se em nós e se foi. O que significaria aquele olhar? Adeus? Até breve? Até nunca mais? Ou seria simplesmente em agradecimento por estarmos ali, naquele momento em que a gaiola dourada de sol abria-se, para que voasse para a eternidade? Fiquei a esperar - meio sem querer entender tudo aquilo - para ver se respiraria mais uma vez... Nada... Foi tudo muito rápido e incontrolável. Pareceu-me uma lâmpada, que se desligava da tomada. Meu pai, com os olhos transparentes de lágrimas e dor, agarrou-se aos pés da cama, a exarar uma única frase: - Graças a Deus... Então, compelida a entender aquela realidade, comecei a chorar. Mamãe ralhou: - Não chore; ele não queria... pediu-me que ninguém chorasse! - Mas, desobedeci e chorei.

Aproximamo-nos do corpinho tão branco. Minha irmã cerrou-lhe os olhos...

Quando tudo parecia ter chegado ao fim, os olhos desesperadamente em paz da minha mãe acariciaram aquelas mãozinhas inertes e ainda quentes: - Minhas mãozinhas... - sussurrou. Despediu-se daquelas duas joias, que todas as manhãs lhe ofereceram violetas plantadas por ele mesmo num cantinho do quintal da nossa casa, numa forma inesquecível de homenagear a mãe idolatrada. Almas gêmeas, mãe e filho. Mãe enamorada, num soluço contido, afagou-lhe os braços e o rosto, docemente. Beijou-o por inteiro, para que se sentisse protegido pelo seu amor, mesmo depois de morto.

- O pior virá depois... na saudade... - murmurou num fio de voz.

Quanta verdade naquele desespero refreado pela fé! Nenhum poeta jamais conseguirá descrever o paradoxo daquela despedida: tristeza e beleza, inigualáveis! Tenho-a gravada na minha íris, para sempre...

Depois disso, se me pergunto o que é a Vida ou o que seja a Morte, relembro aquela tarde de domingo triste e respondo-me: - Uma lâmpada que se acende; outra que se apaga...

Assim foi a morte do meu irmão caçula, aos dez anos de idade, provocada por um câncer arrebatador. A única pessoa que assisti morrer, por toda a minha vida.
Meu irmãozinho se foi em 28 de julho de 1968.
Escrevi esse texto 41 anos após o triste evento...
Foi este - exatamente - meu pensamento, 
aos 16 anos de idade, menina de Piquete. 
Após 41 anos, consigo expressar esse sentimento.
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Sílvia Mota a Poeta e Escritora do Amor e da Paz
Cabo Frio, 11 de junho de 2009 - 19h35
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